Fatores associados ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout em médicos no atendimento aos pacientes internados com diagnóstico de COVID-19
Resumo
Burnout pode ser definido como “consumir-se em chamas”, sendo considerado por muitos como uma síndrome laboral desenvolvida por meio do estresse ocupacional crônico, evidenciada por um grande sentimento de frustração e exaustão voltado ao seu trabalho, associado a um desvio excessivo de energias e recursos. A preocupação com a predisposição para o desenvolvimento da Síndrome de Burnout em profissionais da saúde, particularmente em relação aos profissionais médicos,
pode ter seu potencial acentuado diante da emergência da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 ou coronavírus-19. O objetivo geral do estudo foi analisar a predisposição para o desenvolvimento da Síndrome de Burnout em médicos que
atuaram em atendimento direto aos pacientes internados com diagnóstico confirmado de COVID-19 em cenário pandêmico. Estudo desenvolvido em duas fases, sendo a primeira: revisão integrativa de literatura e a segunda: estudo epidemiológico, observacional e analítico transversal. Para a revisão integrativa de literatura foram utilizadas as bases de dados National Library of Medicine, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, American Psychological Association e Main Collection of the Web of Science e, por meio da estratégia PICo, representada pelo acrônimo dos termos em inglês Population, Interest, Comparison e Context, foi formulada a questão norteadora: “Quais são os fatores de impacto negativo à atuação profissional associados à predisposição ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout em profissionais médicos que atuaram em atendimento direto aos pacientes internados com diagnóstico confirmado de COVID-19 em cenário pandêmico?”. O protocolo da revisão integrativa foi registrado junto à plataforma Open Science Framework. Na segunda fase do estudo, a população constituiu-se dos profissionais médicos que prestaram assistência nos hospitais definidos para atendimento exclusivamente à COVID-19, pertencentes a Rede Regional de Saúde-13 do estado de São Paulo, no período entre maio de 2020 a maio de 2021. As informações foram coletas pelo Google Forms a partir de respostas aos itens do Questionário JBEILI para identificação preliminar da Síndrome de Burnout e de um questionário, validado em conteúdo, que contemplou fatores associados ao impacto negativo à atuação profissional no atendimento aos pacientes, durante a pandemia
de COVID-19. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Ribeirão Preto, sob CAAE: 55786122.0.0000.5498. Na fase da revisão de literatura, as estratégias de busca e de seleção dos estudos foram esquematizadas segundo o Guia Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses. A apresentação dos dados obtidos foi realizada de forma descritiva e tabular, baseada nos resultados da síntese dos estudos primários incluídos. Os dados foram extraídos segundo formulário padronizado por Ursi (2005) e apresentados em quadro síntese. Na segunda fase, a estimativa de prevalência para predisposição da Síndrome de Burnout foi obtida pontualmente e por meio do intervalo com 95% de confiança. Foram obtidas razões de chance (ODDS ratio) brutos e ajustados para análise. Para obtenção dos valores das razões de chance ajustadas, foi utilizado o modelo de regressão logística com seleção backward de variáveis. Na revisão integrativa de literatura foram encontrados 235 estudos primários que, após exclusão de repetições, somaram 133. Após leituras independentes, por uma dupla de pesquisadores, de título, de resumos e da resolução de conflitos, por uma terceira pessoa, foram incluídos para a leitura na íntegra 55 estudos e, ao final, restaram cinco. Participaram da segunda fase deste estudo 201 profissionais médicos, com média de idade de 39,0, desvio-padrão 10,6 anos, a maioria homens (61,7%), casados (50,2%), com tempo médio de formação em medicina de 12,5 e desvio padrão de 10,5 anos. Com 95% de confiança, a estimativa da prevalência para predisposição de desenvolvimento da Síndrome de Burnout encontrou-se no intervalo [75,3%; 85,9%]. Os resultados mostraram ainda que, os itens com impacto negativo à atuação profissional, associados aos profissionais com maiores escores no questionário JBEILI para identificação preliminar da Burnout, são comunicação frequente dos óbitos aos familiares e desesperança. Os resultados mostraram que, apesar de todo preparo técnico e científico desta categoria profissional e de muitos fatores de impacto negativo em relação à sua atuação, já amplamente conhecidos na literatura e ratificados no presente estudo, o cenário pandêmico pode ter gerado conflitos e tensões relacionados à impotência frente a morte e as vidas pessoal e profissional futuras, em um cenário devastador e sem perspectivas, naquele momento sócio-politico-cultural, potencializado pelo negacionismo, reforçado por falsas notícias, por crenças que se opunham ao conhecimento científico e por falta de letramento em saúde da população. Dentro de uma nova perspectiva de gestão nacional, pesquisas desta natureza, envolvendo também outras regiões do Brasil, podem possibilitar ações de planejamento, de sistematização e de melhoria da qualidade da assistência em saúde mental e saúde do trabalhador prestada aos médicos que atuam na linha de frente em hospitais e, então aos pacientes e sua rede social, trazendo contribuições para a formulação de diretrizes de política de saúde em nível nacional, principalmente no caso de novas ondas epidêmicas ou situações semelhantes. Como limitações do estudo são apontadas, delineamento transversal, ausência de grupo controle, caráter regional da pesquisa e alta taxa de recusa na participação.